Município pretende continuar a apostar na valorização do Vale do Lapedo
O vice-presidente da Câmara Municipal de Leiria, Gonçalo Lopes, anunciou esta manhã a intenção de continuar a apostar na valorização do Vale do Lapedo, local onde há 20 anos foi feita uma das mais importantes descobertas arqueológicas do país.
O autarca falava na sessão de abertura de uma conferência internacional no Museu de Leiria que assinala os 20 anos do achado Menino do Lapedo, com a participação de conferencistas de renome internacional ligados ao estudo do Paleolítico e da Evolução Humana.
“A descoberta do Menino do Lapedo recorda-nos, enquanto responsáveis políticos, que todo o nosso território deve ser encarado como um chão sagrado que foi o lar de muitas gerações que nos precederam e que construíram o património material e imaterial que hoje dá forma à nossa identidade coletiva”, realçou o também vereador da Cultura do Município de Leiria.
“Acreditamos que há uma história que o Menino do Lapedo nos desafia a descobrir, pelo que desejamos que o trabalho de campo no Abrigo do Lagar Velho possa prosseguir”, disse, realçando que o Vale do Lapedo constitui um espaço precioso para o Município de Leiria, o qual se pretende “continuar a valorizar do ponto de vista patrimonial e turístico”.
Foi com esse propósito que o Município aceitou o convite para a candidatura do Abrigo do Lagar Velho a Marca do Património Europeu, acrescentou.
A sessão de abertura da conferência “O Menino do Lapedo. 20 Anos Depois” contou ainda com as intervenções da investigadora Ana Cristina Araújo, do Laboratório de Arqueociências da Direção Geral do Património Cultural, em representação da comissão organizadora da conferência, e de António Carvalho, em representação da Direção-Geral do Património Cultural, que destacou a relevância deste achado arqueológico.
“A descoberta deste esqueleto constitui um marco para a história da evolução humana”, disse.
O também diretor do Museu Nacional de Arqueologia realçou o trabalho desenvolvido na instituição que dirige no sentido de garantir que o esqueleto é conservado nas melhores condições, de modo a que a investigação possa continuar a ser desenvolvida no futuro.
Conferência Internacional
Ao longo do dia, a conferência contará com a participação de diversos especialistas, tendo a primeira palestra sido proferida por João Zilhão, Professor-Investigador no ICREA da Universidade de Barcelona, Espanha, e Professor Convidado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Na sua intervenção, intitulada Ser ou não ser: Neandertais e humanidade, vinte anos depois de Lagar Velho, desmonta os argumentos de quem ainda resiste à evidência de que os Neandertais eram seres sapientes e capazes de criar, reforçando a não existência de distinções entre estes e os denominados Homo sapiens. Termina com uma reflexão em torno do “Ser ou não ser”, igual ou diferente, um tema que é, afinal, tão atual.
Às 11:30, o orador convidado é Juan Luis Arsuaga, professor de Paleontologia Humana na Universidade Complutense de Madrid e Director do Centro Misto de Evolução e Comportamento Humanos, que se debruça sobre a evolução biológica do género Homo, traçando paralelos com o Homo sapiens em África, baseando-se nos restos humanos recuperados em diversos depósitos de gruta localizados na Serra de Atapuerca, em Espanha, datados de entre 1 milhão e 400 mil anos.
Às 12:00, Paul Pettitt, professor no Departamento de Arqueologia da Universidade de Durham, Reino Unido, e especialista em arqueologia funerária paleolítica e cronometria, interpreta na sua palestra o tema “Escavar buracos. Enterramentos paleolíticos num contexto tanatológico mais alargado”, os enterramentos paleolíticos no quadro de uma herança evolutiva muito antiga, dando como exemplo o Menino do Lapedo.
À tarde os trabalhos abrem às 14:30, por Eugénia Cunha, professora de Antropologia no Departamento de Ciências da Vida da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, que aborda o Ensino Superior em Evolução Humana nesta universidade e do seu desenvolvimento nos últimos 20 anos.
Às 15:00, Johannes Krause, director do Departamento de Arqueogenética do Instituto Max Planck, em Jena, Alemanha, faz uma revisão da informação publicada sobre o genoma dos caçadores-recolectores do Plistocénico na Europa e apresenta dados sobre a ancestralidade das populações modernas europeias. Os resultados documentam que a substituição de populações e as migrações foram acontecimentos recorrentes ao longo de toda a Pré-História europeia, sendo, no entanto, necessário continuar a investir no conhecimento do património genético das comunidades humanas do Paleolítico.
Às 16:00, os participantes terão oportunidade de ouvir Erik Trinkaus, professor de Antropologia na Universidade de Washington, em St. Louis, EUA, considerado um dos maiores especialistas mundiais em biologia e evolução dos Neandertais. Na sua intervenção destacará o que se perdeu nos debates em torno das relações Neandertais - Humanos modernos: o reconhecimento mútuo como parceiros, não como espécies distintas, reforçando assim a humanidade dos Neandertais aos nossos olhos. Temas em torno da idade, sexo e padrões de enterramento durante o Paleolítico superior antigo, por exemplo, ficaram igualmente esquecidos nesses debates, mas cuja relevância científica é inegável.
No dia 16, realiza-se, às 10:00, uma visita guiada ao Vale do Lapedo, ao Centro de Interpretação e ao Abrigo do Lagar Velho, com a participação de João Zilhão, Cidália Duarte, Joan Daura, e Pedro Ferreira.
Exposição em Zagreb
No âmbito das comemorações, o Abrigo do Lagar Velho e o Menino do Lapedo estão em destaque numa exposição, intitulada The Lapedo Child and other stories from Lagar Velho Rock Shelter (Leiria, Portugal) na Croácia, no Museu de Arqueologia em Zagreb.
Esta exposição, patente até 24 de fevereiro de 2019, desenvolve-se em diversos suportes, incluindo dois filmes, que promovem o achado e o trabalho científico desenvolvido em seu torno. Esta é apresentada em articulação com uma mostra sobre a arte rupestre do Vale do Côa, intitulando-se conjuntamente Two major archives of Portugal´s Prehistory – The Côa and the Lagar Velho archaeological sites.
Refira-se que as comemorações dos 20 anos da descoberta do Menino do Lapedo estão a ser organizadas conjuntamente pelo Museu de Leiria (Município de Leiria) e Laboratório de Arqueociências da Direção-Geral do Património Cultural. Conta, deste modo, com o apoio do Ministério da Cultura, incluindo o do Museu Nacional de Arqueologia, e é uma parceria institucional com o ICOM, GEEVH - Grupo de Estudos em Evolução Humana e APOM - Associação Portuguesa de Museologia. Tem tido igualmente o apoio da Embaixada de Portugal, na Croácia.
Recorde-se ainda que, integrados no âmbito das comemorações, foram realizados, no Verão, trabalhos de campo liderados pelo Laboratório de Arqueociências da Direção-Geral do Património Cultural, para investigação no Abrigo do Lagar Velho, envolvendo uma equipa internacional.
O Vale do Lapedo, situado em Santa Eufémia, a cerca de 10 quilómetros de Leiria, é um local de grande interesse natural e cultural, localizado numa região predominantemente rural.
O Abrigo do Lagar Velho situa-se no Vale do Lapedo, em Leiria, um vale cársico encaixado, com uma paisagem fortemente marcada pela presença de abrigos sob rocha, de grutas, e de encostas muito íngremes e paredes rochosas verticais. O vale evidencia-se pelas magníficas características naturais, destacando-se a sua forma em “canhão” que rasga o maciço calcário, um dos maiores e mais interessantes de Portugal, erodido ao longo de centenas de milhares de anos pela ribeira do Sirol.
Em 1998, a descoberta do Abrigo do Lagar Velho, e particularmente do esqueleto Lagar Velho I (fóssil LV I), vulgarmente conhecido como Menino do Lapedo, datado de cerca de 29.000 anos, constituiu um acontecimento marcante no seio da paleoantropologia internacional. A relevância da sepultura foi atestada, desde o início, por se tratar do primeiro enterramento Paleolítico escavado na Península Ibérica. Esta foi e ainda é, inequivocamente, uma das mais relevantes descobertas do Paleolítico Superior português, a par do complexo de gravuras rupestres do Vale do Côa.
Neste vale foi construído o Centro de Interpretação do Abrigo do Lagar Velho, que dá a conhecer aos visitantes os resultados da investigação realizada no sítio arqueológico do Abrigo do Lagar Velho e a sua contextualização na história da evolução humana.
As características naturais desta área facilitaram a preservação da paisagem, pouco humanizada, até aos nossos dias. No interior do estreito vale, com cerca 1,5 quilómetros de extensão, existem apenas três casas associadas a antigas estruturas moageiras - moinhos de cereais e lagares.
As características singulares deste género de formação geomorfológica propiciam a preservação da flora e fauna autóctone. No caso do Lapedo podemos observar alguns exemplares da comunidade biológica peninsular mais antiga - mata mediterrânica, destacando-se algumas espécies típicas como o Carvalho Cerquinho (Quercus faginea) e o Medronheiro (Arbutus unedo).
Em 1993 o Município de Leiria, em colaboração com associações ambientalistas da região, propôs a classificação do Vale do Lapedo pelas suas qualidades ambientais. O Abrigo do Lagar Velho foi classificado como Monumento Nacional, em 2013.