Vale do Lapedo
Situado na União das Freguesias de Santa Eufémia e Boa Vista, este canhão fluviocársico tem cerca de 1,5 km de extensão.
O vale foi “escavado” em tempos geológicos relativamente recentes (Era Quaternaria), pelo curso de água que deu origem à atual Ribeira da Caranguejeira, numa área de calcários do Turoniano (Cretácico Superior), não muito duros.
Aliada à sua composição litológica, a existência de falhas geológicas na área facilitou o aparecimento do vale, originando vertentes verticais que chegam a atingir uma altura de 80 metros.
O facto de nas paredes sub-verticais do vale surgirem várias cavidades (a que a população chama incorretamente de lapas) deu origem à designação de Vale do Lapedo.
Fazendo uma retrospectiva geológica do que terá acontecido até se chegar à formação do atual Vale do Lapedo, pode afirmar-se que inicialmente existia uma cobertura mais ou menos aplanada, de materiais detríticos (areias, argilas, calhaus, etc.) sobre toda esta região, na qual se foi organizando, progressivamente, uma rede de cursos de água que, em virtude de sucessivas descidas do nível de base (por exemplo, devido a uma regressão marinha ou a uma subida da massa continental) se foi encaixando de forma gradual, primeiro apenas em materiais brandos, depois também nos calcários subjacentes.
Foi aqui que se terá formado, então, o fechado Vale do Lapedo, tanto mais imponente quanto mais a ribeira aprofundou o seu leito.
As cavidades na massa rochosa, podem dividir-se em dois tipos: “abrigos sob rocha” e “buracas”. Os primeiros consistem em reentrâncias na parede do canhão devido a alternância de calcários mais duros (em cima, salientes) e calcários mais brandos (por baixo, reentrantes).
As “buracas” consistem em cavidades abertas na parede calcária, através de processos de gelifração (fracionamento da rocha através do gelo), em zonas de massa calcária particularmente micro-fraturadas, durante períodos climáticos mais frios do que o actual (existem depósitos de gelifratos comprovativos deste processo).
Estas “buracas” chegam a atingir 2 metros de altura por 1,5 metros de profundidade. As quebras de declive a que o leito da Ribeira da Caranguejeira está sujeito, levando a formação de pequenas cascatas, permitem comprovar que o processo de encaixe do curso de água não é muito antigo.
Contudo, a formação de uma pequena planície aluvial na parte terminal do canhão e a jusante, permite concluir que este se encontra numa fase de estabilidade evolutiva.
Apesar de todas as transformações impostas pelo Homem no Vale do Lapedo, desde a instalação de campos agrícolas à construção de socalcos para a olivicultura ou de espécies florestais, o Lapedo exibe atualmente as seguintes comunidades vegetais:
🌳 Bosquetes residuais de carvalho-cerquinho
🌳 Vegetação ripícola
🌳 Zona de matos mistos: os bosquetes residuais de carvalho-cerquinho que aqui se observam, nomeadamente nos locais expostos a norte e a oeste, são os vestígios que restam da antiga Mata do Lapedo.
Estas manchas apresentam uma percentagem de cobertura bastante baixa, anulando-se depois em exemplares diversos.
Sendo a Ribeira da Caranguejeira um curso de água permanente, a agricultura de regadio nos terrenos adjacentes é bastante comum.
Ainda assim, subsistiu alguma vegetação ripícola, principalmente de porte arbóreo.
Deste modo, os amieiros que se destacam pelo seu número e dimensões alternam-se com salgueiros, freixos e choupos.
A aproveitar as condições de ensombramento criadas pela vegetação arbórea e a humidade atmosférica e edáfica, desenvolvem-se plantas lenhosas trepadeiras, que criam barreiras intransponíveis.
É o caso da vide-branca, que, em alguns sítios, forma um túnel que abriga a ribeira, contribuindo desta forma para manter o seu caudal na época estival.
As vertentes do canhão expostas a sul albergam matos mistos cuja densidade, diversidade, desenvolvimento, cobertura do solo e altura, variam consoante a inclinação e a espessura do solo.
A composição florística das zonas dos matos mistos é a seguinte: carrasco, aroeira, sanguinho, estevinha, roselha-grande, arroz-dos-telhados, alecrim, sargaço, pimenteira, jasmim, trovisco-femea, giesta, arruda, centaurea-menor-perfolhada, espargo, tojo, funcho, orégão, rapuncio, cenoura-brava, madressilva, verbasco, erva-toira, orquídea, Cephalanthera longifolia Fretsch., panasco e Branchypodium phoenicoides R. e S.
Esta composição pode constituir uma etapa de degradação de um azinhal.
A presença do carrasco e da pimenteira comprovam em parte esta teoria, já que são espécies características da etapa regressiva deste tipo de vegetação clímax.
Ao contrário dos valores geomorfológicos e florísticos presentes no Vale do Lapedo, em termos de fauna este canhão não se reveste de uma importância essencial, uma vez que a sua área, relativamente pequena, limita a ocorrência de uma diversidade faunística mais interessante.
Ainda assim, alguns grupos estão presentes neste lugar, nomeadamente as aves: o chapim-real, o chapim-preto, o chapim-azul, o chapim-rabilongo, o picapau-verde, a gralha-preta, a águia-de-asa-redonda, o pisco-de-peito-ruivo, o rabirruivo-preto e a escrevedeira-de-garganta-preta.
Surgem também alguns mamíferos como os musaranhos e os ratos do campo e também os morcegos, que aparecem associados às cavidades existentes.
O sapo-comum, a rã-verde e a salamandra são anfíbios presentes, surgindo também o sardão, a lagartixa e determinadas espécies de cobras (escada, rateira, etc.).
Para além das várias espécies de borboletas, e entre a grande diversidade de insetos, são de destacar as inúmeras espécies de libélulas que sobrevoam as águas da Ribeira da Caranguejeira.
Consequente de um movimento de terras feito pelo proprietário de um terreno deste Vale, em 1992, em dezembro de 1998 foi encontrado uma zona de ocupação do Paleolítico Superior (descoberto por Pedro Ferreira, João Maurício e Pedro Souto), de onde resultaram achados líticos, ossos animais e um esqueleto humano (Menino do Lapedo).
Saiba mais aqui.